Processo de Urbanização em Salvador no Século XIX.

O Processo de Urbanização pode ser tomado com um termo analítico sobre as transformações ocorridas que vieram a caracterizar e diferenciar a cidade de salvador em relação ao seu meio rural. Tratando-se de um termo analítico, aqui ele é utilizado para se trabalhar um recorte histórico compreendido no decorrer do século XIX e o espaço dado é a Salvador da época. Ao trabalhar como o processo de urbe, quis mostrar os importantes elementos (para não generalizar às atividades de exportação) que possibilitaram a formação de tais núcleos urbanos na cidade. Dentre várias problemáticas que o tema possibilita, seria os portos o principal responsável pela urbanização da cidade de Salvador?

Comércio, cais do antigo porto, antes do aterro (prédios Pombalinos, hoje demolidos), em 1860.

O porto com toda a sua dinamização econômica que veio a exercer, condicionou a formação de núcleos urbanos e ao seu redor uma rede de serviços que agilizava e facilitava as atividades econômicas portuárias ali empreendidas. Por isso tomo o termo “processo de urbanização”, para propor diferenciações da vida do campo e as transformações da cidade nesse período. Mas aí me veio outro problema. É muito complicado se trabalhar com urbanização, se tratando de uma cidade com características rurais. E me fiz uma pergunta: Qual é a área compreendida por Salvador e o que nela é rural e o que nela é urbano?

Praça do Campo Grande, em 1870 (ainda sem ajardinamento)

Em 1549 Tomé de Souza recebeu um regimento do El-rei, onde o instruía de erguer a nova Cidade. Caracterizada por um terreno irregular e próprio de defesas naturais, os limites do “termo” delimitados até então no século XVI, não passara por grandes transformações até o século XIX. Os limites desse termo no século XIX ainda eram compreendidos por 10 paróquias urbanas, sendo a dos Mares desmembrada até então da do Pilar e do Santo Antônio Além do Carmo.

Em maio de 1857 houve a regulamentação do antigo imposto de 1811, sobre os imóveis urbanos. Com isso, esperava resolver minha dúvida sobre o que correspondia área rural e o que correspondia área urbana. Ao regulamentar esse antigo imposto, percebemos a necessidade de se delimitar o espaço urbano para a execução de tal cobrança. Dois peritos foram encarregados pelo Governo para mapear os espaços dos quais seriam feitas as cobranças de impostos. Foram eles: o engenheiro, Francisco Pereira de Aguiar e o vereador, Francisco Antônio Filgueira. Porém, os espaços levantados por esses peritos correspondiam às áreas de ocupação das paróquias já tidas como urbanas, além das terras a elas pertencentes.  Contudo, notamos a dificuldade de se compreender as delimitações dos espaços, pois o próprio governo não sabia fazer tal diferenciação. Seria urbano então a área compreendida em que poderia ser notado uma rede de serviços: iluminação e saúde pública, esgoto, vias de transportes, água, higienização, espaços de sociabilização e entre outros, caracterizada pela estrutura política e administrativa e pela presença do comércio.

Muitas das informações encontradas para compor o entendimento sobre Salvador, também foram tiradas a partir dos recenseamentos que eram feitos. Os recenseamentos são um conjunto de dados estatísticos dos habitantes duma determinada área e suas características. Os primeiros recenseamentos eram feitos pela igreja, onde eram elaborados levantamentos que dessem informações sobre os que habitavam em cada jurisdição eclesiástica, e isso era feito pelos párocos locais. Chamo atenção para esses devido aos seus fins. As paróquias eram unidades administrativas que serviam de interesses militares e também fiscais. E em pleno século XIX notamos a permanência das divisões eclesiásticas da Cidade de Salvador em paróquias, devido ao interesse do Estado em se basear nessas limitações do termo.

A Ordem Social no século XIX ainda conta com vestígios de uma estrutura do período colonial, sendo eles os responsáveis de certa forma por um tipo de urbanização no século XIX distinta do processo urbano das principais sociedades de Sistema Capitalista. Tais vestígios compreendem numa sociedade latifundiária, escravocrata e Senhorio Patriarcal. Além da emersão de uma burguesia mercantil, que começara a se destacar na sociedade. Isso nos leva a questão de que não existia mercado interno, de que não existia um mercado regular e constante.

“O latifúndio além de produzir o açúcar, tenderia a funcionar como produtora semi-autônoma, que produzia quase tudo que fosse necessário, limitando-se a importar artigos de luxo ou outros gêneros difíceis de serem conseguidos no local”. Costa, Emília Viotti da. Da Monarquia à Republica: momentos de decisivos.1979:235.

As Classes Sociais da época estavam diretamente ligadas à organização econômica que ali era apreendida. Então são notórios na sociedade, os Aristocratas, os Funcionários Públicos, o Alto Clero, os Profissionais Liberais e Mestres de Ofício, os Comerciantes locais e estrangeiros, Militares, Escravos, Homens livres e Alforriados, a População de Passagem (marinheiros, navegantes, refugiados e viajantes, Vagabundos e Mendigos. Eram esses que engrenavam a sociedade de Salvador na época, junto a tantos outros fatores.

As tensões Sociais em Salvador no século XIX era significado de “insegurança” para a população urbana e para as autoridades que tentavam de formas coercitivas acabar com qualquer tipo de rebelião escrava na Cidade. Uma com destaque por ser uma das mais importantes revoltas escravas urbana, a dos Malês em 1835 e uma outra do período Regencial, a Sabinada em 1837-1838. Lembrando que, uma das características urbanas compreende num espaço de sociabilização, e para que isso viesse a funcionar eram necessárias algumas medidas de segurança, medidas essa que recaia na população que presentava “risco”, a população escrava.

Muitas das revoltas e motins ocorridos eram escravas ou por motivos de impasses políticos, dadas as circunstâncias. Tinha também as oposições entre brasileiros e estrangeiros (muitos portugueses), pois havia uma concentração do comércio nas mãos desses. Logo o interesse de alguns produtores brasileiros em exigir uma administração que atendessem suas necessidades e privilégios, sendo a Proclamação da Independência uma saída viável para que isso acontecesse; ressaltando aqui, que havia na Cidade uma quantidade maior de tropas portuguesas o que veio a ter uma resistência maior em relação às lutas pela Independência do Brasil na Bahia.

Campo Grande e seu Monumento ao Caboclo, dedicado aos heróis da Independência do Brasil na Bahia, Centro de Salvador, década de 70 do século XIX.

Essas desordens sócias coincidiam com alguns eventos do decorrer do século XIX como:

  • Transferência da sede do Governo Português para o Brasil e a Reabertura dos Portos em 1808.
  • A Independência do Brasil em 1822
  • A Lei de Eusébio de Qeirós 1850
  • Deslocamento econômico do Nordeste para o Centro-Sul.
  • A febre Amarela em 1849-1854
  • As Chuvas Torrenciais em 1851-1852
  • Coléra-Morbo em 1855-1856

Uma observação muito importante que venho a ressaltar aqui é o pensamento equivocado e incoerente de se pensar que tais eventos afetaram o abastecimento da Cidade. Que abastecimento? E por quem? Pois novamente venho a lembrar que se tratava de uma sociedade que não produzia para manter um mercado interno, não produzia para abastecer a quem necessitava de determinado produto. Não havia meios de comunicação eficiente e nem situações para que o abastecimento viesse há ser necessário. Logo o cuidado de não se referir de forma equivocada usando a expressão “crise de abastecimento” da Cidade.

Outras situações também promoviam tensões na Cidade:

  • Como em 16.01.1858, quando a Câmara Municipal proíbe a venda da farinha de mandioca fora dos pontos municipais autorizados. O que influenciava diretamente no preço desse importante produto de primeira necessidade. O grito clamado pela manifestação era então “Queremos Carne Sem Osso e Farinha Sem Caroço”.
  • Maio de 1807 quando escravos da nação Haussa do Recôncavo, planejaram se unir com os escravos urbanos de Salvador com a finalidade de matar seus Senhores e assim retornar a África.
  • Em 1810-1841 a Revolta dos escravos pescadores, devido aos maus-tratos feitos em seus contra mestres e familiares, em Itapõa num pequeno porto perto de Salvador.
  • Um conjunto de normas elaboradas pelas autoridades para garantir a segurança da qual falei no início do parágrafo sobre Tensões Sociais. Como a de 1807 que proibiu a livre circulação de escravos até as 21 horas da noite; a de 1814 que proibiu os festejos e danças dos mesmos durante o dia e a noite; a de 1833 que proibiu a circulação de escravos nas ruas, exceto quando o mesmo estivesse sob um cumprimento de ordem por parte do seu Senhor, além da proibição do uso de qualquer artefato que oferecesse perigo “além dele mesmo”.

Já os pobres não tinham as idealizações da elite, eram mentalidades e necessidades distintas e imediatas dadas às circunstâncias. É claro que para os pobres, as imediatas era a fome, as péssimas condições de vida que resultavam na miséria e no ressentimento de mudanças. Por isso era comum a presença dessa grande massa popular em muitas revoltas e motins, não que o interesse fosse o mesmo, mas se tratava de juntar as forças de interesses dispersas, mas cada qual com o seu objetivo (pois o interesse da elite não era o mesmo da grande massa da população)

A cidade baixa era o centro dos negócios devido à movimentação comercial ali apreendida, fora o centro comercial da Cidade. A base da economia estava no Comércio de Exportação (principalmente da cana-de-açúcar e no Sistema Agro-industrial mercantil (como a produção de cana-de-açúcar, fumo, algodão e outros gêneros de subsistência). As atividades comerciais concentravam-se próximo ao seu porto. Lá estavam também as construções de prédios públicos, além dos armazéns que eram utilizados para guardar os produtos de exportação e importação, lojas e mercados ao ar livre onde se compravam e vendiam mercadorias de gêneros e até escravos. Não é atoa que aqui se concentrava o mais importante e lucrativo comércio de escravos.

Uma das características das ruas e praças urbanas eram os nomes que eles tinham, muito ligado aos ofícios que ali eram encontrados, a exemplo:  ‘rua do Peso do Fumo’, ‘rua das Grades de Ferro’, ‘praça dos Torneiros’, praça ‘dos Barbeiros’, rua ‘dos Caldeiros’. Kátia M.Mattoso de Q. Bahia Século XIX: uma Província no Império.1992:436.

Algumas famílias que não se deslocavam para a parte da Cidade Alta, se instalavam nos próprios estabelecimentos. Muitas desses estabelecimentos construídos que também era a casa dos grandes comerciantes baianos eram compostas por quatro até seis pavimentos, que se dividiam entre áreas de se guardar as mercadorias, aposentos da família, dos caixeiros e dos escravos. Apesar de a Cidade Baixa ser muito povoada, os que residiam ali eram poucos quando se comparada com a Cidade Alta. As vias de comunicação por entre as paróquias eram constituídas por longos percursos em péssimas condições, com um decreto de 1850 é que algumas ruas passaram a ser pavimentadas, o que facilitou a comunicação e abertura de novos mercados

Algumas características urbanas importantes da Cidade de Salvador no século XIX, é que não havia canalização de esgotos, e isso era um problema que fazia parte dessa realidade urbana. Nas ruas era comum a escavação de canais a céu aberto, um verdadeiro escoadouro de detritos. E mesmo que os moradores fossem responsáveis (em 1856 era de obrigação) por limpar seus detritos, os mesmos não faziam. Como isso só tendia a agravar em 1867 a limpeza de Salvador passará a ser de responsabilidade da Câmara Municipal.

Os primeiros transportes coletivos só apareceram após 1850, eram os bondes ainda puxados por animais. Devido ao alto custo do serviço, a população não usufruía do mesmo, sendo que muitos ricos ainda se deslocavam em cadeirinhas de arruar. A primeira linha de bonde de burro fora implantada na Cidade Baixa em 1866, essa ligava as Paróquias da Penha, a de Conceição e a do Pilar. Esse mesmo trajeto passou a ser feito por bondes urbanos a partir de 1869. A única via pública construída, que muito era usada, foi a Ladeira da Montanha, aberta para circulação em 1878, a qual ligava a Cidade Alta ao Porto da Cidade. A partir de 1862 é que a iluminação a gás carbônico passou a ser utilizada na iluminação pública, pois até 1826 não havia e os primeiros lampiões a óleo de baleia só foram instalados em 1829.

Exemplo de uma imagem que mostra uma Senhora numa cadeira de Arruar. Esse tipo de deslocamento era de ricos. Muitas usavam para não sujar-se nas ruas ao transitar.

Contudo, foram essas dentre outras características datadas do século XIX que compunham o decorrer do Processo de Urbanização na Cidade de Salvador da época.

______________________________________________

Referências usadas no desenvolvimento do tema :

  • TAVARES, Luis Henrique Dias.História da Bahia.São Paulo:UNESP,2009.
  • MATTOSO,Kátia M. de Queirós.Bahia Século XIX:uma Província no Império. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,1992.
  • AZEVEDO,Thales.O Povoamento da Cidade do Salvador Itapuan,1969.
  • COSTA,Emília Viotti da.Da Monarquia à República: momentos decisivos.2.ed. São Paulo:Ciências Humanas,1979.

________________________________________________

Gostaria de primeiramente agradecer aos meus Companheiros da Turma de Bahia II de 2010.2, pelo trabalho que desenvolvemos juntos nesse semestre, sob a supervisão do Orientador responsável, o Professor e Doutor Alfredo Eurico R.Matta e a Professora Maria Antônia Lima Gomes. No início fomos pegos de surpresa para escolher um tema a trabalhar (a proposta do professor), sendo que não fazíamos idéia de como isso iria funcionar. Hoje consigo vejo uma parte do trabalho, que vamos dar sequência em Bahia III. Conseguimos!

Espero que todos tenham tirado proveito de todo que foi trabalhado e desenvolvido.

Parabéns a todos da turma de Bahia II.

Aos Amigos e a todos que tiraram um tempo para ler e contribuir conosco de forma construtiva no Blog.

Muito Grata.

Italuana S.G.

Publicado em Uncategorized | 15 Comentários